A arquitetura de interiores define-se no período moderno brasileiro, com madeiras nacionais em tons mais escuros, e em memórias afetivas
Em 2022, este apartamento de 116m² dos anos 60, em Icaraí (Niterói/RJ), foi comprado em estado precário pelo arquiteto Phil Nunes (36 anos, à frente escritório NOP Arquitetura), em conjunto com seu então companheiro, com a ideia inicial de compartilharem o mesmo teto, já que o relacionamento à distância impunha para os dois, há alguns anos, uma rotina exaustiva de deslocamentos. Para viabilizar este sonho, sem abrir mão de conforto, o casal estabeleceu duas condições principais: que o imóvel tivesse uma área mínima de 100m² e vista livre. No meio da reforma, no entanto, o casamento acabou, mas Phil decidiu seguir com o projeto sozinho, adaptando-o exclusivamente aos seus gostos e necessidades. A decoração, por exemplo, passou a refletir mais sua história através de peças herdadas de família e de seu próprio acervo.
Antes da reforma, o apartamento era extremamente compartimentado, com uma sala pequena, três quartos de tamanho razoável e muita área desperdiçada em circulações. Além disso, a vista, embora livre, ficava comprometida por esquadrias repartidas que não valorizavam o pé-direito alto do imóvel, com 3,20m.
Com a reforma, nada ficou como era antes. Como o arquiteto queria um lar em conceito aberto, o projeto integrou a sala, o quarto vizinho a ela, o hall de entrada, a cozinha, a área de serviço e o banheiro de serviço para cria uma grande área de convívio. “Desenvolvi um layout para estimular a interação das pessoas, sem obstáculos, estando elas no ambiente de estar, jantar ou na cozinha”, diz. O generoso espaço do antigo banheiro social permitiu transformar um dormitório em suíte principal e ainda criar um lavabo, enquanto uma parte do antigo corredor íntimo virou o banheiro da atual suíte de hóspede. “O espaço da antiga cozinha hoje abriga a sala de jantar, a área de serviço virou cozinha, o banheiro de serviço foi transformado em cantinho da sapateira, o quarto de serviço agora é uma lavanderia e o tanque de alvenaria foi substituído por uma churrasqueira na cozinha”, conta Phil.
O arquiteto conta que bebeu em duas fontes principais para definir o conceito de seu projeto – a arquitetura de interiores do período moderno brasileiro, com suas madeiras nacionais em tons mais escuros, e em suas próprias memórias afetivas. “A ideia de ter um apartamento que me acolhesse estava diretamente relacionada aos espaços da minha infância, seja pelo tom da madeira, pela recuperação do piso original em taco ou aproveitamento de peças familiares. Não idealizei meu novo lar pensando em tendências. Queria algo que, acima de tudo, refletisse o meu momento, incluindo garimpos em antiquários e leilões, e também me fizesse lembrar da casa dos meus avós”, diz Phil.
Na decoração da área social, alguns itens que Phil herdou de família e peças que ele próprio garimpou ao longo dos anos foram o ponto de partida para definir a composição, com destaque para o banco Ripado em jacarandá (criação de Sergio Rodrigues original dos anos 50, que pertenceu aos seus avós), a escultura do artista Carybé, o telefone do início do século XX, a sopeira de louça e alguns livros antigos que estavam na biblioteca do sítio da família. Expostos na parede atrás do sofá, os pratos decorativos da italiana Fornasetti, por exemplo, fazem o arquiteto lembrar de suas viagens à Milão, onde as peças foram compradas separadamente, por ocasião do Salão Internacional do Móvel.
Já entre as obras de arte, com exceção do quadro Forever Young, que é novo (em destaque acima do sofá), todas foram adquiridas pelo arquiteto ao longo de anos, sendo as mais recentes com temática homoerótica, dos artistas Rafael Dambros e Francisco Hurtz, em destaque em seu próprio quarto, na parede atrás da cabeceira da cama. Na sala de jantar, o quadro de estilo mais clássico, do artista Romanelli (arrematado em leilão), divide espaço com a foto de barco do fotógrafo contemporâneo Kiolo. Já na parede verde da cozinha, a imagem da vitória-régia apoiada na prateleira superior foi registrada pela fotógrafa Re Freitas. Por fim, no quarto de hóspede, há quadros dos artistas Virgílio Dias e Aécio Sarti.
O fio condutor para definir a paleta de cores da área social com cozinha integrada foi a madeira pau-ferro, presente no acabamento interno da porta de entrada, no painel-estante-louceiro que cobre toda a parede da tv, no pilar transformado em estante próximo à janela e em alguns armários e prateleiras da cozinha. “Para quebrar a seriedade deste material, de tom mais escuro, optei por uma base mais neutra e clara no restante, além do verde inusitado na cozinha, que invade o frontão da bancada e colore a porta de serviço do apartamento”, revela Phil. Os tons de verde também aparecem em algumas almofadas e no tampo de uma mesa central, e ganharam a companhia de elementos de coloração terrosa, entre esculturas, vasos e tapete. No quesito “materiais e texturas”, tecidos em linho natural, com diferentes tramas, aparecem no estofamento do sofá (modelo Rocco, assinado por Luan del Savio, da Way Design), da chaise (modelo Cozy, do Studio Mapa) e nas cortinas, enquanto o couro natural está presente no assento das cadeiras pretas da sala de jantar, na fruteira, no banco do cantinho de sapato e na poltrona Kilin, assinada por Sergio Rodrigues.
“Este projeto me obrigou a me revisitar como pessoa. Entender quem era o Philippe após a separação e como retratar isso no espaço foi uma missão além de projetual, foi libertador”, finaliza o arquiteto Phil Nunes, da NOP Arquitetura.
NOP Arquitetura – @nop_arquitetura