Uma infância humilde, sem muitas alegrias, marcada pelas dificuldades que um menino negro, de família do interior, costuma enfrentar na vida
Esse é o começo da história de milhares de crianças brasileiras, que não têm a oportunidade de receber uma educação básica adequada, sem acesso à cultura e com poucas perspectivas de um futuro melhor.
O triste desfecho, para a maioria desses meninos, nós conhecemos muito bem. Mas em algum momento dessa trajetória, o menino da nossa estória tomou as rédeas do seu percurso nas mãos e resolveu que seria o autor do seu próprio destino. Ele preencheria de arte uma vida que carecia de cores, espalharia flores por um caminho árduo e cinzento, dando sua contribuição para deixar o mundo mais suave e menos espinhento.
Carlos José, ou Casé nasceu com uma habilidade natural para a arte do desenho e da escultura em argila.
“Não tive qualquer acesso à cultura quando criança, por isso precisei crescer para descobrir que eu era uma pessoa das artes, um escultor, um poeta. Acredito que cada criança é dotada de um talento. Sempre foi difícil vencer os desafios da sala de aula e os educadores da época não enxergavam qualquer potencial em mim”.
Suas primas foram as maiores beneficiadas de um talento artístico que começava a aflorar. “Elas me davam doces para eu desenhar seus trabalhos de colegial. Enquanto elas tiravam nota máxima, eu me empanturrava com as guloseimas”.
Casé cresceu com esse ‘grito’ pelas artes no coração. “Como autodidata, fui me descobrindo como artista e me reinvento o tempo todo. É uma realização saber que eu transmito um legado com a minha arte. Um pouco da minha história passa a pertencer a todos que possuírem uma obra minha, que permanecerá por décadas, até mesmo quando eu não estiver mais aqui”.
Ele se viu realmente como um artista quando suas obras passaram a receber elogios de profissionais do meio, com conhecimento para qualificar sua capacidade artística. “Hoje, além do boca a boca de amigos e clientes satisfeitos, as redes sociais ajudam muito a divulgar meu trabalho. Participei de muitas exposições em galerias e shoppings, mas a que me deu maior realização foi a pedido de uma amiga que foi para o céu e amava a minha arte, a Rosângela Alves, fundadora do projeto Quilombinho”.
Com relação às técnicas, Casé já experimentou de tudo em suas obras. “Hoje trabalho mais em telas, com pigmentos importados, tanto a base de água como óleo de linhaça. Retrato desde uma natureza morta acadêmica, como algo mais estilizado e moderno, marinhas, temas abstratos, mas minha paixão realmente são as pessoas. Gosto de pintar mulheres negras, porque para mim elas têm uma aura especial, uma riqueza estética e cultural que me encanta. De tudo que Deus criou, o ser humano é realmente sua maior obra-prima”.
Casé seguiu assim, enxergando em cada indivíduo uma beleza única e retratando a formosura das pessoas em telas repletas de cores. “A grande maioria dos pintores segue uma sequência cromática dos tons quentes e frios e sua intermediárias. Eu resolvi fazer o contrário, buscando a harmonia entre cores de famílias distintas, o que acaba resultando numa explosão alegre de tonalidades”.
Entre os artistas que mais admira, Casé se lembra de Almeida Junior, Edmundo Migliaccio e Aleijadinho. Entre os internacionais, cita Rembrandt, Modigliani e Van Gogh, além de Bernini na escultura.
“Arte para mim é algo sem fronteiras e limites. Orgulha-me muito também ver minha arte sendo requisitada por designers e arquitetos para compor projetos de decoração. O mercado de arte no Brasil continua restrito, encontrando seu espaço entre pessoas de bom gosto, gente apaixonada por pinturas e pela cultura em geral”.