Através da obra intitulada “Perception”, o artista plástico El Seed pretende mudar as percepções populares dos catadores de lixo no Cairo
Manshiyat Naser é um bairro um pouco afastado do centro do Cairo, Egito, cuja população de 260 mil pessoas vive do lixo, mas não do próprio lixo, como gostam de explicar, mas sim do lixo que colhem por toda a cidade a fim de vê-la limpa! Além disso, a comunidade desenvolveu um sistema de reciclagem mais eficiente e altamente rentável em um nível global.
Foi no meio de pilhas de lixo, ruas fétidas, porcos, ovelhas e gente que eL Seed escolheu para seu grande mural, um círculo laranja, branco, azul e amarelo, indefinido aos olhos que quem ali está, pois tratam-se de fragmentos espalhados por mais de 50 edifícios, porém, visto de longe, de um ponto específico sobre uma montanha, Mokattam Hill, o conjunto toma a forma de um desenho com uma citação do bispo Atanásio de Alexandria, no século III: “Aquele que deseja ver a luz do sol claramente deve primeiro limpar seus olhos”.
Através da obra intitulada “Perception”, o artista disse pretender mudar as percepções populares do distrito, muito estreitamente associadas à miséria, e para celebrar décadas de trabalho não reconhecido pelos seus residentes que classificam e reciclam toneladas de lixo da cidade. “Eu estou questionando o nível de julgamento e o que uma sociedade equivocada pode inconscientemente ter sobre uma comunidade com base em suas diferenças”, explica.
Sua arte já foi mostrada em exposições em Berlim, Chicago, Dubai, Paris e São Paulo. Já ocupou workshops e demonstrações no Museu da arte islâmica em Doha, Qatar, e na Universidade de Harvard. E já pintou grandes murais em outros países ao longo dos últimos anos, inclusive no Brasil, na França e Tunísia. Mas ele disse que a experiência no Egito e a reação da comunidade foram “esmagadoras”. “A comunidade árabe acolheu a minha equipe e eu como se fôssemos da família. Foi uma das mais incríveis experiências humanas que já tive”.
No Brasil, num telhado na favela do Vidigal, Rio de Janeiro, ele imortalizou as palavras da poetiza Gabriela Torres Barbosa:
Eles se esquecem de como amar,
Como amar seu país.
Separado do respeito
Que eles vão ficar devendo para sempre.
Eles nunca veem você
País do preto,
País dos pobres.
Nascido em uma família da Tunísia na França, em 1981, eL Seed cresceu falando apenas o dialeto tunisiano e não aprendeu a ler ou escrever árabe padrão até sua adolescência, quando descobriu um interesse em suas raízes tunisianas. Nas ruas de Paris definiu sua arte, não só nas palavras e seus significados, mas também sobre o seu movimento, o que acaba por atrair o espectador para um estado de espírito diferente. É conhecido pelo seu estilo único, o “calligraffiti” – uma forma de arte que combina grafite com caligrafia árabe. Cita princípios tradicionais dessa escrita com as sensibilidades modernas de pichações contracultura. “Eu gosto de graffiti porque traz a arte para todos. Espero que isso inspire outras pessoas a fazer projetos loucos e não ter medo”.